quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Dupla Sertaneja

Vicky Tavares

Tinham os nomes de uma famosa dupla sertaneja! Um tinha HIV e o outro não. Estavam conosco em regime de creche, hoje regime sócio educativo. Léo e a mãe viviam debilitados. Eram bem frágeis. Ele gostava de estudar e sonhava em ser bombeiro. O irmão tinha um desenvolvimento físico excelente, mas já não ligava para os estudos e queria mesmo era brincar.

As internações de Léo eram constantes e minhas brigas com a mãe dele também. Ele não gostava de tomar os remédios e ela com dó não dava. Também não aceitava colocá-los em regime de abrigo, alegava que não podia ficar longe dos filhos. Eu tentava entender a situação, mas muito me preocupava porque ele saia de uma pneumonia e entrava em outra.

 Mesmo eu reclamando por conta da toxoplasmose, ela insistia em manter bichos perto das crianças. Moravam em um quarto que a Instituição alugou para ajudá-los. Tinham tartarugas, gato, cachorro e periquito. Léo e o irmão se davam muito bem, brigavam pouco. Ele adorava ganhar brinquedos de bombeiro. Começou a fazer curso de escoteiro, mas o sonho mesmo era de ser um grande bombeiro, me dizia que queria salvar vidas! 

Sua voz  era bem rouca. Tinha cabelos lisos, olhos negros bem expressivos e uma barriga muito, mas muito grande mesmo! Alimentava-se bem, gostava de ir à igreja e sempre nos encontrávamos nos finais de semana. Visitava-me em casa, no meu trabalho e adorava quando eu o levava para lanchar ou almoçar fora. Gostava dos meus carinhos, mas ele era bem distante. Sempre triste, só sorria quando via minha neta e logo se apaixonou por ela! Um dia me disse que ia se formar e entrar no Corpo de Bombeiros para casar com ela.

A mãe ficou alguns dias sem levá-los em na nossa casa, quando apareceu ele já não andava mais. Chamei mais uma vez  a atenção da mãe com relação aos remédios, mas ela não entendia e ficava com raiva de mim. Nesse dia eu sabia que Léo não resistiria. Ela não os levou mais na instituição.

Dois meses depois recebi um telefonema me avisando que ele estava muito mal. Fui visitá-lo e fiquei impressionada, ele estava só pele e osso. Olhar distante, não conseguia falar. Senti carinho no olhar dele para mim. Beijei seu rostinho e saí de lá muito triste com aquela situação. Dias depois a notícia que ele havia falecido! Fui com algumas crianças da casa ao enterro. Chorei muito ao ver aquela criança tão franzina, naquele caixão.

Todos os sonhos tinham acabado. Léo subiu por outra escada, não mais aquelas que vinham nos caminhões de bombeiros que ele tanto gostava de brincar. Estava subindo para encontrar-se com Deus. Salvou muitas vidas com o seu testemunho, principalmente a minha! 

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Amor tem que ser Incondicional!

Vicky Tavares

Assim ele chegou à instituição, bem marrentinho! Era magrinho, pequenininho, maltratado pelo vírus e pela vida. Muito inteligente e super talentoso! Começaram as programações culturais e ele foi um dos primeiros a se interessar. Em tudo que participava era o melhor: Dança, pintura, desenho, música e em tudo se sobressaía.

Duas tuberculoses e várias pneumonias fizeram dele um garoto frágil. Era de família de classe média. A mãe portadora do vírus HIV tornou-se dependente química de crack. Vergonha para todos, se separou do marido e agarrou o menino franzino pelos braços e foi morar na rua. Roubava para manter o vício. Ele me contou das andanças com a mãe, que um dia veio a falecer, deixando-o na companhia de uma tia.

Foi a tia que o levou para a instituição. Ficou difícil mantê-lo em sua companhia, pois o marido dela adoeceu e aí para cuidar do sobrinho era muita responsabilidade com remédios, consultas, etc... Foi assim que Deus me concedeu a oportunidade de conviver com o Dan, de aprender sobre sobrevivência. Com ele tive várias lições de vida. Ele vive conflitos como todo adolescente, mas olha para a vida com bons olhos.

É tímido. Tem medo do amor e de ser rejeitado! É discreto e tem bom gosto. Sabe contar histórias como ninguém, adoramos ouvi-las! Está trabalhando como desenhista. Tem um futuro pela frente! Fez agora 18  anos. Ensaiou sair da Instituição, mas adoeceu e repensou. Confia no Vida Positiva, nos nossos cuidados. Sabe que sabemos guerrear contra o vírus. Tem certeza do nosso amor e nós temos do dele. Um dia me perguntou - Porque você nos ama se todos têm preconceito? Ensinei que o amor tem que ser incondicional! 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Amor Ágape

Vicky Tavares
A menina da crônica é uma pessoa muito especial para mim! Quando a conheci ela estava muito debilitada, sua aparência era a pior possível. Pesava 9 kg e tinha nove anos. Fiquei muito assustada porque ela era bastante frágil. Sua pele era toda manchada, haviam muitas feridas externas e internas. Era muito fechada, não sorria, não conversava e as perguntas que eu fazia ficavam sempre no ar. Não queria viver, absolutamente não queria!

Eu estava fazendo um trabalho voluntário em uma instituição de crianças com HIV quando ouvi falar nela. Ela tinha saído da mesma porque  a situação estava grave. Enfim, ninguém mais queria cuidar. Fui com a assistente social da casa visitá-la na residência da  avó materna. Fiquei chocada com o descaso da família. A avó estava cheia de mágoas. Já havia perdido a filha (mãe da menina) e não queria saber de mais nada. A criança tinha um quarto escuro com uma esponja no chão para deitar. Isolada de tudo e de todos. Ali esperava a morte, que a sondava de dia e de noite com doenças oportunistas.

Os olhos grandes nem se voltaram para nós, estava de cabeça baixa e assim ficou durante nossa reunião. Dia seguinte fui buscá-la contra a sua vontade. Lançava olhares de ódio sobre mim. Mas, veio. Mal comia, mal bebia. Assim começou nosso relacionamento. Ela me odiando e eu aprendendo a amá-la. Amar os que nos odeiam, exercício de crescimento! Na instituição dei ordens para fazer comidinhas especiais para ela, mas ela não estava nem aí. A cada dia que passava me odiava mais e eu amava mais aquela garotinha que estava me ensinando coisas que eu desconhecia do amor. Amor ágape foi este amor que ela me ensinou e o qual eu serei grata a ela pelo resto da minha vida. Comecei a comer no prato que ela comia, beber no copo que ela bebia e passei a observar que isto me aproximava dela.

Em todas as internações fiz questão de estar presente. Comprei um celular para ela, para que nós duas pudéssemos nos comunicar. Então, ela começou a falar comigo! Como fiquei feliz no dia que ela me ligou do hospital e disse, “Vó Vicky, traz pão de queijo para mim!”. Á partir deste dia nossa relação começou a mudar. Ela começou a sorrir e passou a confiar em mim. Começou a melhorar. As doenças oportunistas deram uma trégua.

Um dia estávamos na sala da instituição quando ela chegou ardendo em febre, bastante debilitada (O HIV tem dessas, de repente ele permite que as doenças oportunistas, tipo pneumonia, entrem com uma força descomunal, a ponto de derrubar a pessoa em minutos). Fiquei apavorada e imediatamente liguei para o infectologista dela, Dra. Tereza, e comuniquei o acontecido. Imediatamente ela mandou interná-la. Foi a pior crise dela. A médica me comunicou  que havia a possibilidade dela ter que perder um pulmão. Foi um dos piores dias de minha vida. Estava no escritório e assim que tive a notícia me ajoelhei e disse para Deus, “Senhor troca a minha vida pela dela. Já vivi muito e ela está começando agora. Por favor, meu Deus não permita que ela morra!”. Na minha cabeça só passava o pavor. Imaginem uma menina tão debilitada portadora do vírus só com um pulmão. Mínimas seriam as chances de sobrevivência. Chorei muito diante de Deus pedindo um socorro. E como sempre Ele respondeu. Pela manhã a médica me ligou dizendo que fizeram a radiografia antes de operarem e o pulmão que estava todo comprometido estava limpinho! Depois dessa internação não houve outras.

Ela passou a se alimentar muito bem, a tomar seus remedinhos com precisão, a estudar e a se maquiar. Ah! Como ficou vaidosa, a ter vontade de viver, de me amar e de amar outros também. Está com 18 anos agora. Não conseguimos nos separar. Já não tem mais idade para ficar na instituição, mas está lá como colaboradora. Estamos unidas pelo resto de nossas vidas, pelo amor, que é um dom sublime!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Remédios que curam o preconceito contra a AIDS

 Marina Sophia


Em 1996, eu tinha três anos de idade. Naquele período estava doente, debilitada e perdendo peso. Todos achavam que tinha câncer. Uma tia me levou ao médico, foram feitos vários exames e um deles comprovou que estava com vírus HIV. Logo após a descoberta, começaram as internações que duraram até os 14 anos.


As minhas lembranças da infância estão ligadas à solidão dos quartos de hospitais. Não conhecia detalhes da minha doença. Apenas parecia que definhava, os cabelos caíam e estava cada vez mais magra. Nessa fase tinha aversão a espelhos. A minha imagem era uma mistura de tristeza e angústia. Temia ver a sombra da morte que se aproximava.


Acho que todo o medo era fruto do preconceito da minha família. O desconhecimento sobre a doença fez com que me isolassem, não deixando que brincasse com meus primos, separando e marcando o meu copo, prato e talheres. Toda essa segregação fazia do quarto, mais uma vez, o meu único refúgio.


Na casa dos meus avós, utilizei o mesmo dormitório em que minha mãe havia permanecido antes de morrer com o vírus da aids. Fui a única dos quatro irmãos que contraiu o HIV. Cheguei a sentir raiva da minha mãe, mas ela se foi há 14 anos e hoje sei que também sofreu com o preconceito que é, sem dúvida, a pior doença, pois provoca feridas na alma.


Até os 10 anos de idade, alternei a minha estadia entre a casa dos meus avós e os hospitais. Depois desse período, a minha família me entregou para uma instituição que cuidava de portadores do vírus HIV, alegando que tomar conta de mim era algo trabalhoso. Essa experiência de rejeição fez com que eu perdesse a confiança nas pessoas que me cercavam. Esse quadro começou a mudar, quando conheci uma voluntária, a Vovó Vicky, que me ajudou a ver um outro lado da vida: a aceitação de quem sou eu. Há mais de três anos essa voluntária criou a Vida Positiva e hoje faço parte de uma grande família que convive com crianças e jovens soropositivos.


O meu lar é diferente do de outras instituições pelas quais passei, pois todos se aceitam e se respeitam. Temos as nossas discussões como qualquer família, mas logo fazemos as pazes. Somos unidos e cuidamos uns dos outros.


Hoje o espelho não é mais o vilão. Pelo contrário, adoro me arrumar, usar maquiagem e cuidar do meu cabelo. Acho que sou uma garota vaidosa. Gosto de acessar a internet, ir ao cinema e conversar com as colegas da escola. Fico feliz quando recebo a visita da minha irmã e das minhas primas. É bom manter o vínculo com familiares que me amam como sou.


A última vez em que estive internada, há alguns anos, os médicos acharam que eu não sobreviveria, pois os meus pulmões quase não funcionavam, contudo me foi dada uma segunda vida que agarrei com todas as forças. Por enquanto só posso afirmar que a maior das minhas vitórias é olhar para as pessoas sem medo e, sobretudo, olhar para mim mesma e ver que sou capaz, amada e feliz.


*Nome fictício.


Esta crônica venceu o concurso "Vidas em Crônica" do Ministério da Saúde voltada para jovens de 15 a 30 anos. No dia 1º de dezembro de 2010, Marina Sophia foi recebida com festa no Palácio do Itamaraty e na oportunidade emocionou todos os presentes, inclusive o Presidente Lula.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Vibrações Positivas estão no ar!

Apresentação:

O blog Vibrações Positivas, vem para sensibilizar, cada vez mais, pessoas no combate ao preconceito e a discriminação contra portadores do HIV.

É um produto comunicacional da Instituição Vicky Tavares – Vida Positiva, que nasceu em Brasília, no ano de 2006, para ajudar crianças e adolescentes soropositivos a vencerem o preconceito e terem as mesmas chances no mercado de trabalho que uma pessoa que não tenha o vírus.

Serão postados aqui vários relatos de como foi à vida desses guerreiros até hoje, casos de preconceitos e discriminação e mesmo, casos de vitória e superação.

Venha conosco e nos ajude na divulgação do Vibrações Positivas, mande e-mails com sugestões, se torne um doador, indique para amigos e o mais importante, mude você também o modo de olhar para essas pessoas, que lutam muito, todos os dias, para superar este mundo preconceituoso e maldoso.

Contato:
E-mail: vibracoesassessoria@gmail.com
Twitter: @vidapositivadf